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“Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça” (Eduardo Couture)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

art.5º - NCPC

Art. 5º As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando entre si e com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência.

O presente dispositivo não encontra referência específica no Diploma anterior. Há referências indiretas ao dispositivo, como vemos no atual art. 266 do CPC, por exemplo. A primeira parte do artigo refere-se ao direito das partes em participar ativamente do processo e isso esclarece a posição de igualdade que detém as partes em relação ao juiz, especialmente na busca pela solução eficaz e mais breve possível das demandas. A presteza nas diligências determinadas, no célere repasse das informações requeridas, nos encaminhamentos pleiteados, no dispensar de provas que entende desnecessárias, na apresentação de informações pertinentes que detenha consigo, na transparência das declarações, na pontualidade dos comparecimentos, e realização das diligências, são apenas alguns exemplos de atuações positivas que cristalizam esse agir ativo da parte, no sentido de dar à marcha processual um ritmo célere, sem “curvas” desnecessárias e optar por caminhos mais efetivos vantajosos ao processo. Se o juiz é o condutor material e formal do processo, as partes com seus procuradores são os agentes cooperadores, junto com o juízo, para atingir o resultado que satisfaça o interesse público pujante da resolução dos conflitos, ou seja, satisfaça todos os envolvidos direta e indiretamente com a demanda. É, em verdade, um dever de prontidão para servir ao processo em sua dimensão instrumental de solução da lide, e de providenciar o suprimento de todos os obstáculos que se atravessarem e impedirem o devido andar processual.

Já em seguida traz o artigo o dever das partes de cooperação, cuja violação importa em conduta atentatória aos valores da boa fé, lealdade, e instrumentalidade do processo no atingimento do desiderato almejado pela relação processual, qual seja a solução do conflito. O dever de cooperação entre as partes transcende a situações específicas na referida norma, e norteia genericamente (como princípio que é), as diversas situações que surgirem no decorrer no processo, fazendo das partes, no plano processual, parceiras na busca da solução mais ágil e econômica para todos, bem assim do caminho mais efetivo e certeiro. Fornecer subsídios ao juízo é muito mais que fornecer informações, documentos et alli. É munir o juízo de tudo aquilo que ele necessite para que sejam realizados os atos processuais com maior resultado possível, e da forma mais integral alcançável, em todas as dimensões da atuação judicial: cognitiva, para proferir decisões; executiva, como atos de penhora; medidas de urgência, como em processos cautelares de busca e apreensão, ou cautelares incidentais.

O dever de cooperação do Juízo com relação às partes subdivide-se em quatro: a) dever de esclarecimento: o dever do juízo de buscar esclarecimentos junto às partes com relação às suas alegações, pedidos e requerimentos, visando evitar decisões que tenham por base carência/insuficiência de informações; b) dever de prevenção: dever do juízo de prevenir as partes sobre insuficiências de suas alegações e pedidos, sugerindo adequações, buscando a completa formulação das pretensões da parte, de modo que as carências sejam supridas e o processo atinge sua utilidade mais plena; c) dever de consultar as partes: garantir a pronúncia da parte acerca de documentos, alegações, evitando decisões-surpresa e pronunciamentos inesperados, ampliando seus horizontes e ângulos de possibilidade acerca das questões postas em juízo, tanto fáticas como jurídicas – é decorrência direta do princípio do contraditório; d) dever de auxiliar as partes: dever do magistrado de auxiliar as partes na remoção de dificuldades ao exercício de seus direitos ou no cumprimento de seus deveres ou ônus processuais (Grassi de Gouvea).

De fato, se no direito material as partes competem acerca do bem da vida sob pretensão resistida, no direito processual as partes têm o dever de cooperar. A visão cooperativa do processo é fruto de um amadurecido formato de jurisdição comprometido com a celeridade e utilidade das demandas submetidas à apreciação do Poder Judiciário, e inarredável em um Estado Democrático de Direito. Os atores processuais tem o dever de zelar pela mais plena cooperação inter-subjetiva, eis que seus benefícios são indispensáveis na condução do processo. É de se frisar que o dever de cooperação não é absoluto. Ele encontra limite nas garantias fundamentais contidas na Constituição, no respeito ao sigilo, etc. Outrossim, ações violadoras da cooperação processual são condutas temerárias, que importarão nas sanções previstas no Diploma, oportunamente abordadas.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ART. 4º DO NCPC

Art. 4º As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa.

Esse dispositivo não encontra correspondência na legislação processual em vigor. Trata-se de diretriz programática, sendo que o referido artigo, também repetição de direito fundamental constitucional (art. 5º, LXXVIII, da CF, EC nº 45/2005), apresenta a solução da lide posta à apreciação em uma perspectiva de duração razoável, ou seja, que a demanda não se estenda ad eternum. Já disse o inesquecível Rui Barbosa: “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade”.A instrumentalização de tal “direito da parte” à obtenção da solução da demanda em prazo razoável se mostra difícil no caso concreto, não por disposições legais, mas por problemas hodiernos de operacionalização do Judiciário, os quais se busca sanar por várias formas, inclusive, sobretudo da tecnologia, mediante recursos de informática.

Muito embora a gravidade do problema da morosidade se verifique individualmente, em casos concretos e específicos, medidas em massa para resolver o problema têm o condão de apresentar maior respeito a tal norma.

A questão do prazo razoável é demasiada esguia, por mais que a doutrina arroste tal caminho conceitual. Como direito fundamental que é está vinculado às suas características e peculiaridades, como a universalidade, limitabilidade, imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, concorrência, efetividade, interdependência, complementariedade e aplicabilidade imediata. Outrossim, calha à fiveleta a advertência de Fabiano Carvalho: “o resultado ‘mais rápido’ seguramente nem sempre é o ‘mais efetivo’. A celeridade processual, conquanto sendo um valor que deve presidir a administração da justiça, não poderá, claramente, ser erigida a um tal ponto que, em seu nome, vá sacrificar outros valores que, afinal, são componentes de direitos fundamentais, tais como os do acesso aos tribunais em condições de igualdade e de uma efetividade de defesa”.

A solução da lide deve ser integral. As ações não podem deixar respingos não resolvidos, se puderem ser resolvidos naquela oportunidade; não podem desencadear novos problemas se podem solucionar de plano a questão. A ação deve buscar abordar ao máximo a questão posta em juízo, tanto questões incidentais, cautelares, etc. É a potencialização da força da ação, para que consiga a maior quantidade possível de resultados dentro da mesma demanda. A inclusão na solução integral da lide da satisfação da mesma é a resposta do sistema à desnecessidade de cindir a ação em várias outras, para conseguir um resultado esperado, em razão dos efeitos pretendidos (cognição, execução, etc.). É o sincretismo processual, aglutinando a satisfação ao processo de conhecimento, aproximando a solução do problema do jurisdicionado, encurtando caminhos, e excluindo outros inúteis, e assaz onerosos para todos os envolvidos.

De fato, esse é um dos grandes motores do novo diploma processual. Diante disso, para dar vida a referida regra, existem inúmeras normas processuais do novo diploma, como é a norma contida no art.19, que oportunamente abordaremos, e que põem fim a ação declaratória incidental.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

ART.3º - NCPC

Comentários conceituais e comparativos do art.3º do NCPC

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral, na forma da lei.

Por mais que esse dispositivo não encontra referência do antigo Diploma Adjetivo, a primeira parte do artigo é repetição do já exposto na Constituição, como direito fundamental (art.5º, XXXV, CFRB/88), e atine a possibilidade de provocação de manifestação judicial, tanto quando haja ameaça, quando haja lesão de direito. É uma garantia fundamental do cidadão de não ser privado de solução judicial, quando se verifica uma violação de seu direito, ou até a ameaça estiver consubstanciada. Exemplo dessa distinção vemos quando há a turbação do exercício da posse – ameaça ao direito de posse, e o esbulho, quando se concretiza a ameaça, e a posse já restou violentada, ou seja, o direito já foi violado.

A ressalva legal de exclusão de apreciação do Judiciário (litígios submetidos voluntariamente à solução arbitral), remete à regulação legal (Lei n.º 9.307/96), e também decorre da voluntariedade de tal escolha procedimental (desde que atendidos aos requisitos de cabimento do referido meio de solução de conflito) tanto pela vida da cláusula arbitral compromissória (art.4º, da Lei de Arbitragem), quanto pelo compromisso arbitral (art.6º da Lei de Arbitragem). É importante frisar as limitações da arbitragem para alguns casos, previstos no art.1º da referida Lei, bem como previstos no art.852 do CCB/02.

A arbitragem trata-se de meio alternativo de solução de litígios, sendo um meio de heterocomposição paraestatal do conflito. Carlos Alberto Carmona ensina que “a arbitragem, de forma ampla, é uma técnica para solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção, sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir a eficácia de sentença judicial”.

A escolha pelo meio de solução arbitral gera uma eficácia negativa em face do Poder Judiciário, no sentido de afastar a legitimidade da jurisdição estatal para solução do conflito.

Frise-se que o art.338, X ressalta como matéria alegada pela contestação, como preliminar de mérito, a existência de convenção de arbitragem, que excluí do Judiciário a solução do litígio, a fim de que se realize a solução da questão pela Arbitragem, meio de solução de conflitos parajurisdicional. De todo modo, cumpre-nos ressaltar o teor do art.33 da própria Lei de Arbitragem onde se apresenta a possibilidade de anulação da sentença arbitral por órgão competente do Poder Judiciário, nos casos e hipóteses legais.

Frise-se que a sentença arbitral trata-se de título executivo, e seguirá, em caso de execução, inclusive o rito do cumprimento de sentença, conforme preceitua o art.492, VII, do NCPC.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Art.2º - NCPC

Comentários conceituais e comparativos do art. 2º do NCPC.

Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte, nos casos e nas formas legais, salvo exceções previstas em lei, e se desenvolve por impulso oficial.

A regra, assim como no sistema anterior, é a inércia do Judiciário, e a necessidade da provocação do mesmo pelo interessado, a fim de que dê o provimento jurisdicional cabível pelo ordenamento jurídico. O princípio da inércia está estribado na máxima: “ne procedat iudex ex officio”, bem como no princípio da iniciativa da parte (princípio dispositivo): “nemo iudex sine actore”. O presente dispositivo encontra referência no Diploma vigente nos arts.2º e 262. A iniciativa da parte que enceta todo o andar processual é exercida mediante seu direito a ação constitucional. Frise-se que o exercício do direito de ação, apesar de direito fundamental constitucional (art.5º, XXXV, CFRB/88), não é absoluto. Deve ser exercido nos casos e nas formas legais. Trata-se das situações fáticas de cabimento do manejo do instrumento processual tipificado como ação (art.16, NCPC), que deverá atender aos seus requisitos e condicionantes previstos na Lei Adjetiva. Assim, o direito de ação exige um dúplice pressuposto, a previsão de manejo do instrumento no ordenamento processual, e o atendimento da formalidade prevista em lei, com seus requisitos e elementos indispensáveis. Enquanto no Código vigente, a exceção mais conhecida à inércia é a norma legal que permite ao magistrado iniciar o processo de inventário ex officio – art. 989, no NCPC encontramos o art.284, que trata das medidas de urgência, onde o juiz poderá conceder de ofício, ou seja, independente de provocação do interessado, medidas de urgência, que oportunamente melhor abordaremos. Ao seu turno, e em análise comparativa, o poder geral de cautela para as ações e medidas cautelares previsto no Código vigente (art.798 e 799) não admite exercício ex officio. Como sobredito, essa atuação ex officio prevista no Novo Código é fruto da nova postura legislativa no sentido de ampliar e otimizar o plano de atuação do juiz, assim como as demais atuações do julgador ex officio previstas no Código (medidas endoprocessuais), que têm a mesma finalidade – potencializar a ação do juiz no processo, elevando os resultados da demanda e atendendo aos anseios sociais de agilidade na resolução dos conflitos. Todavia, notamos que essas inovações necessitam, apesar de seus prestimosos benefícios, serem vistas cum grano salis.

A parte, para provocar o agir do Judiciário, mediante o seu direito de ação, deve estar devidamente assistida por procurador, salvo exceções legais, como no caso dos juizados especiais, com a limitação prevista naquele mesmo diploma. O impulso oficial é o agir do juiz que provoca o correto andamento processual, conforme as regras existentes, dando ao processo à marcha processual cabível, movimentando-o no sentido de alcançar a tutela jurisdicional final. De fato, o impulso oficial é um dos centros gravitacionais de força do Novo Diploma, posto que o mesmo ganhou novas forças e abrangências nesse Código, notadamente por sofrer alargamentos intencionais no sentido dar poderes mais robustos e amplos ao Juízo para promover a solução mais ágil, justa e total do conflito posto sub judicie. Assim, e em arremate, o processo inicia-se pela provocação da parte, como regra, mas seu andamento dá-se pelo presentante do Judiciário, o Juiz, aplicador das regras processuais.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

CAPITULO I - ART.1

CAPÍTULO I

DOS PRINCÍPIOS E DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Os princípios abaixo descritos servirão para dinamizar e dar mais vida eficacial à prática processual, a fim de que se possa melhor atender aos objetivos do novo diploma. Em uma era de princípios, nada melhor que começar um novo diploma conforme a melhor receita pós-moderna: apresentar princípios que atuam na sustentação do sistema legal, sujeição das regras do sistema à diretrizes seguras, pilares unânimes e fontais, que preenchem às lacunas interpretativas, e resolvem impasses deixados pelas normas.Todavia, há um limite para a atuação dos princípios, como instrumentos interpretativos de solução de impasses de aplicação das regras. Esse limite trata-se das garantias constitucionais. É nessas garantias que temos o limite interpretativo do sistema flexível de princípios, ou seja, a definição da fronteira última para a aplicação de tais princípios, ou melhor: o núcleo intangível de direitos fundamentais, que contêm as garantias básicas do jurisdicionado, no âmbito do processo civil.

Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

O processo civil é o ramo do direito, cuja abrangência aplicativa é amplíssima, servindo inclusive para aplicação subsidiária a outros sistemas processuais, tais como a Consolidação das Leis do Trabalho e a Lei dos Juizados Especiais (cf. art.14, CPC).

A ordenação do novo sistema, como mesmo prenuncia o artigo, terá um critério angular: os princípios e valores constitucionais. Conforme magistral e inesquecível ensino do professor Celso Antônio Bandeira de Mello: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”. No que atine aos valores constitucionais, por primeiro, cumpre frisar que os princípios contêm valores ínsitos em si, e instrumentalizam a tutela de valores. Entretanto, existem outros valores constitucionais que não estão instrumentalizados formalmente como princípios. Aqui se nota que o NCPC tem um compromisso de realização máxima da Constituição, inclusive dos seus valores fundamentais (ainda que não vestidos pela roupagem de princípios), sobretudo o valor-mor do sistema: dignidade da pessoa humana. Na verdade, aqui se vê a importância também dos valores materiais da Constituição, e não somente os axiomas processuais. Para fins de conceituação, anotamos que valores são os pilares do Direito, fazem parte do processo de produção do Direito, i.e., da teoria tridimensional do direito: norma, fato e valor. O embrião da norma é o valor. Assim, valores possuem raízes suprapositivas, e que são a atribuição de importância jurídica à bens e condutas relevantes à sociedade como, v.g., dignidade da pessoa humana, liberdade, justiça, solidariedade e soberania nacional.

Em arremate, tanto princípios como valores são o vértice pinacular no novo diploma. A ordenação nessa perspectiva implica na composição do sistema processual com a harmonização dos seus institutos, atrelando-os intrinsecamente entre si, e extrinsicamente, com a Constituição. Quanto ao termo disciplinado, tem-se que, não só há ligação intrínseca e extrínseca do novo Diploma (como um todo) terá ligação com a Constituição, mas também cada uma das minúcias de cada instituto do diploma será disciplinada mediante a luz do que aponta e determina a Constituição. A densificação dos institutos, mediante disciplina em artigos diversos, será feita mediante a força vertical da Constituição, incidente sobre si. No que toca ao termo interpretado, é de se verificar que a interpretação é a aplicação da norma (interpretar é aplicar, como ensina Gadamer). Interpretar é o exercício subsuntivo realizado pelo interprete no sentido de aplicar a fattispecie normativa abstrata na realidade fática, através de seus referenciais fáticos juridicamente relevantes. Assim, deixa-se evidente a força interpretativa dos princípios no novo sistema processual.

Cumpre-se ressaltar a grande carga de responsabilidade que se deixa nos ombros do(a) juiz(a), na medida em que lança princípios orientadores para a realização das normas processuais no caso concreto, isso conforme a receita pós-moderna neoprocessual, e conforme expressamente afirma a Exposição de Motivos: “A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que prevêem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou ‘às avessas’.”

De todo modo, o primeiro artigo do NCPC cristaliza o anseio de efetividade do Sistema, tendo como ponto de partida a Constituição e seus valores e princípios centrais.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Livro I, Parte Geral, Princípios e Garantias, normas processuais, jurisdição e ação.

Olá,
como prometido, segue abaixo a primeira postagem abordando os comentários sobre o NCPC. Convido a todos para conhecerem nosso futuro diploma processual, em breves comentários, mediante análises comparativas e conceituais. Os comentários serão específicos e tópicos, abordando cada item do NCPC.

Hoje estudaremos brevemente os comentários acerca do Livro I, Parte Geral e o título I, Princípios e garantias, normas processuais, jurisdição e ação. No próximo estudo abordaremos o capítulo I, Dos princípios e das Garantias Fundamentais do Processo Civil, e do art.1º do Diploma.

LIVRO I

O NCPC é dividido em cinco livros: Livro I: parte geral, Livro II: processo de conhecimento, Livro III: processo de Execução, Livro IV: dos processos nos Tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais e Livro V: das disposições finais e transitórias.

O primeiro livro, que atine à parte geral, aborda os seguintes tópicos: a) Princípios e garantias, normas processuais, jurisdição e ação; b) limites da jurisdição brasileira e cooperação internacional; c) da competência interna; d) das partes e procuradores; e) do litisconsórcio; f) do juiz e dos auxiliares da justiça; g) do Ministério Público; h) dos atos processuais; i) das provas; j) tutela de urgência e tutela de evidência; l) formação, suspensão e extinção do processo.

PARTE GERAL

A parte geral do novo CPC inova ao apresentar critérios norteadores de toda a nova sistemática da lei adjetiva. Como mesmo se viu na exposição de motivos do novel diploma, se mesclou às conquistas do diploma precedente as posições decorrentes do saneamento dos problemas práticos evidenciados também no anterior regramento. A presente parte geral se revela como elo unitivo da Constituição com o novo diploma adjetivo apresentado – mediante princípios basilares, afinando às regras do Diploma com as diretrizes constitucionais processuais sedimentadas pelo direito pátrio, a fim de potencializar e otimizar o respaldo processual dos direitos materiais dos jurisdicionados.

TÍTULO I

PRINCÍPIOS E GARANTIAS, NORMAS PROCESSUAIS, JURISDIÇÃO E AÇÃO

O primeiro título do Diploma abrange o tratamento não só dos princípios e garantias constitucionais-processuais. Princípios são elementos fontais de um sistema jurídico, são seus pontos de partida, suas premissas que se irradiam no sistema, servindo para firmar o caminho a ser trilhado, permitindo a correta interpretação teleológica das regras que se seguem a ele. Garantias são núcleos básicos de proteção, são situações ou direitos que estão imantados, garantidos a priori, por razões ligadas à própria ontologia do Direito.

O primeiro título do novo CPC trata, também, das normas processuais que são as regras criadas com a finalidade de instrumentalizar o direito material, a aplicabilidade máxima de tais regras, bem como a organização do Judiciário. A doutrina classifica as normas processuais segundo o objeto em três: a) normas processuais de organização judiciária: atinem à estrutura do Judiciário e seu funcionamento; b) normas processuais em sentido estrito: são as regras que se referem ao processo em si com seus regramentos específicos; c) normas processuais em sentido lato: são aquelas que regulam os procedimentos internos do próprio processo (endoprocessuais) como, v.g., os atos processuais. A natureza das normas processuais é de direito público. Todavia, e apesar da natureza pública, as regras processuais podem ser cogentes ou dispositivas. A classificação enquanto norma jurídica processual nos remete ao seu universo de regras próprio, contido no art.12 à 14 do presente CPC, por isso a importância de sua conceituação e abrangência.

Outrossim, o primeiro título do CPC trata da jurisdição, que é a função do Estado, pela qual concretiza a lei emitida devidamente pelo Poder Legislativo no caso concreto. Segundo Wambier et alli “A jurisdição é, portanto, no âmbito do processo civil, a função que consiste, primordialmente, em resolver os conflitos que a ela sejam apresentados pelas pessoas, naturais ou jurídicas (e também pelos entes despersonalizados, tais como o espólio, a massa falida e o condomínio), em lugar dos interessados, por meio da aplicação de uma solução prevista pelo sistema jurídico”. Acerca da jurisdição o Diploma aborda os limites de aplicação das regras acerca da extensão do agir judiciário no exercício enquanto poder judicante, e da ação, com suas regras e primícias fundamentais (vide art.15 e 20 e seguintes). Ação pode ser conceituada como o direito subjetivo público de provocar a atuação do Estado no sentido de reclamar tutela estatal de seu direito material violado ou ameaçado. Conforme Humberto Theodoro Jr, ação “é o direito a um pronunciamento estatal que solucione o litígio, fazendo desaparecer a incerteza ou a insegurança gerada pelo conflito de interesses, pouco importando qual seja a solução a ser dada pelo juiz”. É também o ato gerador do processo, aquele pelo qual se desencadeia todos os demais atos processuais (art.16).



No próximo estudo abordaremos o capítulo I, Dos princípios e das Garantias Fundamentais do Processo Civil, e o art.1º. Até lá.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Comentários ao Novo Código de Processo Civil

Olá caríssimos,

Tenho a alegria de compartilhar com vocês um breve estudo sobre o novo Código de Processo Civil que não em muito tempo irá disciplinar as regras processuais em nossa nação. O estudo trata-se de uma análise tópico à tópico do novo diploma, estudando especificamente cada artigo e item do novo regramento adjetivo. É certo que as regras do novo diploma ainda estão em gestação, e muitas das interpretações e comentários de agora serão parciais e incompletos, na medida em que precisarão da aplicação prática para conhecermos seu real conteúdo e extensão, bem como para conhecermos a devida coesão conceitual das referidas regras, fixando as fronteiras hermenêuticas de cada dispositivo constante no novo diploma. Entretanto, é necessário um pontapé inicial.
Não tenho nenhuma pretensão de esgotar o conteúdo conceitual dos dispositivos, até porque minhas limitações não permitem. Todavia, creio ser da mais alta valia encetar o processo de "domar" o novo Código, conhecendo seu teor e suas pretensões.
Para isso, convido os caros leitores e estarem conosco nas futuras postagens, analisando cada item do novo e futuro Diploma Processual. Para fins de sistematização do estudo, e a priori, será colocada uma nova postagem semanalmente.
Desde já, obrigado, e até semana que vem, com a primeira postagem.



quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Condenação: Serviços comunitários a mulher que denunciou ex-marido por falsa agressão

Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

A 2ª Câmara Criminal do TJ confirmou sentença prolatada na comarca de Chapecó e manteve a pena imposta a Elaine Maria Mattos, por denunciação caluniosa contra o ex-marido. Ela foi condenada a dois anos de reclusão, em regime aberto, reprimenda substituída por prestação de serviços comunitários.

De acordo com os autos, em 28 de fevereiro de 2007, a acusada dirigiu-se à Central de Polícia daquela cidade, acompanhada da filha adolescente, com o intuito de fazer um boletim de ocorrência contra o ex-companheiro. Disse aos policiais que, dois meses antes, ele havia levado a menor a um matagal, agredindo-a no local. Afirmou, ainda, que o homem fizera várias ameaças de morte, a ela e aos três filhos.

A garota confirmou os fatos na delegacia. No entanto, dias depois, apresentou outra versão: contou que foi induzida pelo advogado e pela mãe, que estava em processo de separação de seu pai, a mentir sobre os fatos. Em sua apelação, a ré pugnou pelo reconhecimento da atipicidade da conduta, por não ter conhecimento de que o ex-marido era inocente.

“Ocorre que, posteriormente, A. de M. G. retificou a versão apresentada por sua genitora, doravante sustentando que seu genitor não havia lhe ameaçado e, tampouco, agredido, de modo que somente acompanhou sua mãe para registrar o boletim de ocorrência por influência desta, que lhe havia oferecido alguns presentes caso depusesse contra o pai. […] Assim, porque a acusada sabia da inocência de seu ex-companheiro, não restam dúvidas acerca da autoria do delito e do dolo perpetrado pela agente”, anotou o relator da matéria, desembargador substituto Tulio Pinheiro, ao negar provimento ao pleito. A decisão foi unânime (Ap. Crim. n. 2010.059993-1).

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Condomínio é condenado por impedir que notificação de multa chegue a morador

O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que a moradora de um condomínio em São José do Rio Preto receba indenização no valor de R$ 10 mil por não ter recebido correspondência de notificação de multa de trânsito.

Segundo a inicial, por ordem do síndico e sem a anuência dos condôminos, qualquer correspondência que necessitasse de assinatura de recebimento era recusada na portaria.
No entendimento da 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP, o procedimento adotado causou prejuízos à mulher, que, por desconhecimento da multa, foi impedida de exercer seu direito de recurso, já que para a administração pública, o simples envio da correspondência basta para que o destinatário seja considerado notificado da multa de trânsito.
“Os danos sofridos pela autora restaram comprovados nos autos, não só pela ausência de regular recebimento de correspondências que lhe pertenciam, mas principalmente pela impossibilidade de contestar a validade das notificações”, disse o relator do recurso, desembargador Neves Amorim.
Também participaram do julgamento, que teve votação unânime, os desembargadores José Joaquim dos Santos e Luís Francisco Aguilar Cortez.

sábado, 2 de julho de 2011

A Disciplina Jurídica do Homossexualismo

A Disciplina Jurídica do Homossexualismo

Autor: Dr. Ives Granda

(Revista Cultura e Fé nº 132)


O Supremo Tribunal Federal decidiu, em 05/05/2011, que a união entre dois homens ou duas mulheres de natureza afetiva gozará do mesmo “status” da união estável entre um homem e uma mulher, a qual, pela Constituição, artigo 256, § 3º, é considerada entidade familiar.

Nada obstante, os constituintes não terem elevado a união homossexual a tal nível, nada obstante o direito privado dar-lhes garantias próprias de uma união de fato, a Suprema Corte outorgou-se o direito de substituir o Congresso Nacional e a Constituinte, legislando sobre a matéria e acrescentando ao texto da Lei Maior que também a união “estável” entre um homem e um homem ou uma mulher e uma mulher conformam entidade familiar.

Apesar de ser esta a posição atual do Pretório Excelso, inúmeros juristas têm tecido considerações de natureza jurídico-constitucional discordando de tal interpretação, entre elas destacando-se a do eminente professor de direito constitucional, Lenio Streck que em entrevista ao Estado de São Paulo (06/05/2011) declarou:

“Isso é o espaço para discussão do legislador, como se fez na Espanha e em Portugal. Lá esse assunto foi discutido pelo Parlamento. O Judiciário neste ponto não pode substituir o legislador”.

Neste artigo, pretendo exclusivamente ofertar a minha interpretação da Constituição Federal, para que o leitor possa conhecer os argumentos daqueles que entendem que a união homossexual não constitui uma família, por ter sido esta a vontade do constituinte, ao promulgar a Constituição em 05/10/1988.

Entendo que a corrente dos constitucionalistas, que se opõe ao ativismo judicial (o Judiciário substituindo por auto-outorga de poderes o Legislativo), à qual me filio, está com a razão, pois apenas o Congresso Nacional, com poderes constituintes derivados (duas votações com 3/5 de senadores e deputados decidindo a favor) pode introduzir qualquer modificação na lei suprema.

Alegou-se, em tese hospedada por alguns Ministros desta Corte, que a não concessão dos mesmos direitos às uniões de pessoas do mesmo sexo em relação àqueles que têm os de sexo oposto, feriria a dignidade humana (art. 1º, inciso III da CF), a igualdade de cidadania (5º, caput), a segurança jurídica (5º caput) e a liberdade (art. 5º caput).

Vejamos se tais princípios foram feridos à luz da Constituição Federal.

Claramente, o princípio da dignidade humana não se encontra ferido pelo tratamento que até o presente vem sendo dado à união entre dois homens e duas mulheres, que, por opção sexual, podem se unir, celebrar um contrato à luz do direito civil com previsão de obrigações e direitos mútuos, inclusive de natureza patrimonial, o que a Constituição não proíbe. Não há mácula, pois, à dignidade humana neste caso, por todos reconhecida, como própria do ser humano e que independe de sua opção sexual.

Nem se tisna, por outro lado, o princípio da liberdade, já que o próprio reconhecimento de que poderão contrair obrigações e deveres, viver juntos, participar socialmente de qualquer reunião, cursar qualquer universidade ou ter qualquer emprego, mostra que sua liberdade de escolha homossexual em nada é manchada pela lei civil, genericamente considerada, nem pela lei suprema.

E, em relação à segurança jurídica, têm os pares de homens com homens e mulheres com mulheres a mesma segurança de qualquer cidadão e de qualquer casal. O outro argumento mencionado é que merecerá maiores considerações, pois é aquele que merece reflexão mais aprofundada.

O respeito à dignidade humana e a liberdade de união dos pares de homens e homens ou mulheres e mulheres é que não justifica que se considere que tais uniões sejam iguais àquelas constituídas por um homem e uma mulher.

São diferentes, jurídica e faticamente, sem que esta diferença represente qualquer “capitis diminutio” na dignidade dos seres humanos, que optaram por uma união entre iguais.

Os artigos citados estão assim redigidos:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ...........

III - a dignidade da pessoa humana;

....

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes: ....”.

A diferença reside em que são pares que, biologicamente, não podem gerar filhos, o que não ocorre com os casais constituídos por um homem e uma mulher. A união sexual de dois homens é impossível de gerar prole, como também a união sexual de duas mulheres. Podem externar nesta união afeto, mas A GRANDE DIFERENÇA é que NÃO PODEM GERAR FILHOS de sua relação sexual.

Ora, dizer que, perante a Constituição, são iguais uniões que são biologicamente diferentes, tendo em vista que somente a que ocorre entre um homem e uma mulher é capaz de garantir a perpetuação da espécie, constitui, de rigor, uma falácia. Se todos os homens se unissem com outros homens e todas as mulheres se unissem com outras mulheres, sem utilização de qualquer artifício (inseminação artificial), a humanidade se extinguiria!

Há, pois, nítida diferença biológica e jurídica entre os casais de homens e mulheres e aquelas uniões entre homens e homens e mulheres e mulheres. E a diferença – capacidade de gerar prole pelos meios naturais - é tão essencial e de tal magnitude, que impede a equiparação.

E, neste aspecto, é que reside, a meu ver, a razão de ser do capítulo da família na Constituição, já agora passando a desvendar a questão referente ao artigo 1723 do Código Civil assim redigido:

“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Tenho entendido, em vários escritos, que o mais relevante princípio da Constituição, depois do direito à vida, é a proteção à família.

Assim não fosse, não teria o constituinte com particular ênfase, declarado, no “caput” do art. 226, que a família é a base da sociedade:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (grifos meus).

Do dispositivo duas considerações essenciais podem ser tiradas, ou seja, que:

a) sem família não há Estado e, por esta razão, o Estado deve dar

b) especial proteção à família.

A proteção é de tal ordem, que o casamento passa a ser o ideal maior do Estado, não só ao permitir sua celebração gratuita:

“§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração”.

como ao dar ao casamento religioso efeito civil:

“§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.”

Como se vê, os dois parágrafos acima deixam nítido que, para dar maior estabilidade à “base da sociedade”, o casamento é o desiderato maior do Estado. Pretendeu o constituinte –e a maioria esmagadora entende que constituinte originário- dar o máximo de estabilidade possível à constituição da família e à prole nela gerada pela segurança do casamento, nivelando o casamento religioso ao civil, nos termos da lei.

Compreende-se tal escopo. É de se lembrar que, hoje, na maioria dos países europeus, todos os governos estão a incentivar o aumento das proles familiares, com benefícios de toda a natureza. Ora, tal não é possível, sem métodos artificiais, pela união de um homem com um homem ou de uma mulher com uma mulher.

Simone Veil, quando presidiu o Parlamento Europeu, em célebre frase, afirmou que “os europeus tinham aprendido a fabricar tudo, mas esqueceram de “fabricar” europeus”.

Esta é a razão pela qual o casamento religioso tem o mesmo “status” do casamento civil e, nas grandes religiões, aquelas que mudaram a história do mundo, segundo Toynbee, no livro “Um estudo da História”, o casamento religioso SÓ PODE OCORRER ENTRE UM HOMEM E UMA MULHER.

A família, pois, decorrente da união de um homem com uma mulher, que biologicamente pode gerar proles que dão continuidade à sociedade, no tempo, é que o constituinte pretendeu proteger, a meu ver, sendo todos os dispositivos referentes à entidade familiar, cláusulas pétreas, pois dizem respeito aos direitos individuais mais relevantes, ou seja, de perpetuação da espécie e de preservação do Estado.

Sensível, todavia, à realidade moderna de que muitas uniões entre casais (homens e mulheres) não ganham o patamar de casamento, houve por bem, o constituinte, reconhecer tal união –sempre entre homem e mulher- como “entidade familiar”, mas, demonstrando, mais uma vez, a relevância do matrimônio, declarou que o Estado tudo faria para transformar aquela “união estável” em “casamento”, como se lê no artigo 226, § 3º:

“§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (grifos meus).

Ainda aqui se percebe nitidamente, os dois objetivos primordiais de preservar a família como base do Estado, capaz de dar perpetuidade ao Estado e à sociedade, garantindo a união estável entre UM HOMEM E UMA MULHER, como entidade familiar.

E a prova mais inequívoca de que foi esta a intenção do constituinte - e este o princípio constitucional - está em que, na sequência, o § 4º declara:

“§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.” (grifos meus).

Ora, qual é o descendente naturalmente gerado pela união entre um homem e um homem e uma mulher e uma mulher? Sem artificialismos genéticos ou técnicas médicas utilizando espermatozóides ou óvulos de terceiros, são incapazes de gerar DESCENDENTES.

Compreende-se, também, o intuito do § 4º do art. 226, ou seja, reconhecer outra realidade: pela morte ou separação conjugal, pode um dos cônjuges ter que sustentar sozinho seus descendentes, não deixando de ser, portanto, uma entidade familiar, o cônjuge remanescente e seus filhos.

Parece-me que o § 4º unido ao § 3º do artigo 226 demonstra, claramente, a impossibilidade de se considerar unidade familiar a união entre homens e homens e mulheres e mulheres, que não podem “Motu Proprio” gerar descendentes e que mantêm, biologicamente, um relacionamento sexual diferente daquele que caracteriza a união entre um homem e uma mulher.

O próprio § 5º assim redigido:

“§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”

reforça a inteligência que tenho do dispositivo.

Ainda aqui só se fala em homem e mulher, em meridiana demonstração de que homens e mulheres são iguais na condução da própria família.

Da união de pessoas de sexo diferente –e exclusivamente dela- cuidou o constituinte, deixando às uniões homossexuais –É DIFERENTE A UNIÃO, por opção sexual, não geradora de prole- o direito a outras alternativas para alcançar a segurança jurídica, mas não a de ter “status” de unidade familiar.

Tanto é diferente que o Governo, por sua Secretaria dedicada aos Direitos da Mulher, entende não ser aplicável a lei “Maria da Penha” à agressão de um homem a um outro homem, numa união homossexual.

E, à união surgida desta forma de opção sexual - que não é a opção natural da maioria esmagadora das pessoas, em que a atração física é capaz de gerar prole -, o Estado pode garantir direitos e obrigações. Pode dar-lhe “status” de uma união civil, de obrigações mútuas, mas não de família, aquela que constitui a base da sociedade capaz de gerar sua perpetuação.

Ora, o artigo 1723 do Código Civil, reproduz, claramente, o que está na lei suprema e sua dicção, em nada, difere daquela exposta na lei suprema.

Nem há que se falar de interpretação conforme, visto que o que decidiu o STF foi um acréscimo ao texto para nele abrigar situação nele não prevista, o que difere, a meu ver, do que se entende por interpretação conforme. Essa modalidade de controle concentrado implica retirar de um texto abrangente situação que, se por ele fosse abrigada, representaria uma inconstitucionalidade. É que, levando em conta a pretendida distinção entre “inconstitucionalidade sem redução de texto” e “a interpretação conforme”, se se admitisse nesta, o acréscimo de hipóteses ao texto legal não produzidas pela lei, estar-se-ia, de rigor, transformando o Poder Judiciário em Poder Legislativo.

Mesmo para os constitucionalistas, que consideram a interpretação conforme como desventradora de situação implícita, contida na norma –por isto distinguem-na daquela sem redução do texto-, não se pode admitir que esta revelação do “não expresso” represente ALARGAMENTO DA HIPÓTESE LEGAL sem autorização legislativa.

Para mim, na interpretação conforme, o texto contém mais do que deveria conter. Por esta razão o que está a mais é retirado sem alteração do texto, a fim de que o Judiciário não se transforme em legislador positivo.

Em conclusão, o texto constitucional contém rigorosamente o que deveria conter, e o que o Supremo Tribunal Federal fez foi acrescentar ao texto situação não prevista nem pelo constituinte, nem pelo legislador, transformando o Pretório Excelso em autêntico constituinte derivado, ou seja, acrescentando disposição constitucional que o constituinte originário não produziu. Em outras palavras, sem o processo das duas votações nas duas Casas, com 3/5 de todos os segmentos do povo, a Suprema Corte, criou norma constitucional inexistente, acrescentando situações e palavras ao texto supremo, que, como acabo de mostrar, jamais foi intenção do constituinte acrescentar.

Ainda em outros termos, o Congresso Nacional eleito por 130 milhões de brasileiros e com poder de alterar a Constituição pelo voto de 3/5 de sua composição, em dois escrutínios, foi substituído por um colegiado de 11 pessoas eleitas por um homem só!

Nada obstante, a decisão do Supremo Tribunal Federal, que impõe a todo o Judiciário que seja seguida, considero que a correta interpretação é aquela aqui exposta e que representa também a inteligência de inúmeros juristas. Dizia, com o respeito devido, Santa Catarina de Sena aos Cardeais de sua época, quando erravam “Vossas Eminências cometem eminentíssimos erros”. Infelizmente, sou obrigado a dizer dos Ministros da Suprema Corte “Vossas Excelências cometem excelentíssimos erros”.

Concluo, finalmente, transcrevendo parte de recentíssima decisão do Conselho Constitucional da França de 27/01/2011, em linha, a meu ver corretíssima e em franca oposição à do órgão máximo da Justiça Brasileira:

“9. Considerando de outra parte que o artigo 6 da Declaração de 1789 dispõe que a lei deve ser a mesma para todos, seja quando ela protege, seja quando ela pune: que o princípio da igualdade não se opõe a que o legislador que regule de maneira diferentes situações diferentes, nem a que se derrogue a legalidade por razões de interesse geral, visto que, em um ou outro caso, a diferença de tratamento de que daí resulta seja vinculado diretamente ao objeto da lei que o estabelece; que, no momento, o princípio segundo o qual o casamento é a união entre um homem e uma mulher, o legislador tem, no exercício da competência que lhe atribui o art. 34 da Constituição, considerando que a diferença de situação entre casais do mesmo sexo e casais compostos de um homem e de uma mulher podem justificar uma diferença de tratamento quanto às regras do direito de família; que não cabe ao Conselho Constitucional de substituir sua apreciação àquela do legislador, sob o prisma, nesta matéria, desta diferença de situação; que, por consequência, a pretendida maculação do artigo 6 da Declaração de 1789 deve ser descartada;

10. Assim sendo, pois, que disto resultou de que no que concerne a limitação que atenta contra a liberdade de casamento deve ser afastada;

11. Concluindo que as disposições constantes são contrárias a nenhum direito ou liberdade que a Constituição garante;

Decide:

1) A letra última do artigo 75 e o artigo 144 do Código Civil (união entre homem e mulher) estão conformes a Constituição;

2) A decisão será publicada no jornal oficial da República Francesa” (grifos meus).

São Paulo, Maio de 2011.